“Na Simplicidade do Passado: Memórias de Uma Infância de Fé e Trabalho”
VALORES FAMILIARES / SIMPLICIDADE E FELICIDADE
“Na Simplicidade do Passado: Memórias de Uma Infância de Fé e Trabalho”
“Recordações de um tempo onde a simplicidade era riqueza e a fé, o alicerce da vida.”
No final de cada dia de trabalho na roça, quando o sol já havia se despedido no horizonte, era hora de voltarmos para casa. Éramos crianças, mas nossas mãos já conheciam o peso da enxada e o cheiro da terra úmida. Não havia energia elétrica para iluminar nossas noites, apenas a luz bruxuleante das lamparinas, que criavam sombras dançantes nas paredes da pequena casa de madeira.
A rotina começava quando a antiga gamela era colocada no meio da cozinha. Ali, lavávamos o rosto, os pés e as mãos, retirando a poeira do dia. Banhos diários, naquele tempo, aconteciam nas águas cristalinas do rio que cortava a propriedade. Mas os banhos de sábado eram diferentes: eram completos, quase cerimoniais, com direito à água aquecida no fogão a lenha. O sábado era especial, uma preparação não apenas para o descanso, mas também para a missa do domingo.
Depois da higiene e antes de qualquer outra coisa, reuníamo-nos ao redor da mesa para o jantar. A oração vinha primeiro, sempre. Rezávamos juntos, agradecendo o alimento, o trabalho e a família. Em seguida e de joelhos encostados na cadeira rezávamos: o terço. Cada mistério era recitado com devoção, enquanto o aroma da lenha queimando no fogão preenchia o ambiente.
Mas a verdadeira magia acontecia depois do terço. Sentados ao redor do fogão, ouvíamos papai. Ele era um contador de histórias excepcional. Suas narrativas eram sempre em capítulos, deixando-nos ansiosos para o dia seguinte. Era incrível como ele nos transportava para mundos diferentes com sua voz firme e envolvente. Não eram histórias inventadas às pressas; eram cuidadosamente planejadas para alimentar nossa imaginação.
Certa vez, ele começou uma história sobre um menino chamado João que vivia em um pequeno vilarejo e tinha o sonho de explorar além das montanhas que cercavam sua casa.
A história de João e a Montanha Misteriosa
João era um garoto curioso e corajoso. Desde pequeno, ele ouvia os mais velhos falarem sobre a Montanha Misteriosa, um lugar que ninguém tinha coragem de explorar. Diziam que lá vivia um guardião poderoso que protegia um grande segredo.
Apesar das advertências, o coração de João batia mais forte sempre que ele olhava para a montanha ao longe. “Um dia, eu irei até lá”, dizia para si mesmo.
Na manhã em que completou 12 anos, João tomou uma decisão: ele partiria em sua jornada. Com uma mochila simples nas costas, que carregava pão, queijo e uma velha garrafa de água, ele seguiu em direção à montanha.
A trilha era íngreme e cheia de desafios, mas João não desistiu. Pelo caminho, encontrou animais que pareciam observá-lo, como se soubessem de sua missão. Quando finalmente chegou ao topo, encontrou um homem idoso com olhos brilhantes e uma aura de sabedoria.
“Você veio até aqui por curiosidade ou coragem?” perguntou o guardião.
“Por ambos”, respondeu João. “Quero conhecer o segredo da montanha.”
O guardião sorriu e apontou para o horizonte. “O verdadeiro segredo não está aqui, mas no que você aprendeu ao chegar até aqui. Olhe para trás e veja a jornada que fez.”
João olhou e, pela primeira vez, percebeu como tinha crescido em coragem, determinação e fé. Voltou para casa transformado, sabendo que a montanha não era apenas um lugar, mas um símbolo de seus próprios limites superados.
A história de João durou várias noites, e cada novo capítulo era aguardado com entusiasmo. Esse tipo de expectativa dava um tempero especial aos nossos dias. O trabalho na roça parecia mais leve, porque sabíamos que à noite papai nos levaria a outro mundo por meio de suas histórias.
Nos domingos, o ritmo era diferente. Não havia histórias; era dia de missa e descanso. Caminhávamos quilômetros até a igreja mais próxima, muitas vezes descalços, mas com o coração cheio de alegria. A missa era um momento sagrado, de reencontro com a comunidade e renovação espiritual.
Crescemos nesse ambiente de fé, simplicidade e trabalho.
Aprendemos desde cedo a valorizar o que tínhamos, a criar nossos próprios brinquedos e a usar a imaginação para transformar pequenos momentos em grandes aventuras.
O tempo passou. Deixamos a infância para trás, formamos nossas famílias, e agora temos filhos e netos. Mas as lembranças daquela época continuam vivas em nossas memórias. A simplicidade dos dias, a união da família e a alegria que encontrávamos nas pequenas coisas são valores que carregamos conosco.
Hoje, as histórias infantis foram substituídas por desenhos animados e telas de televisão. A criatividade parece ter cedido lugar à tecnologia. Brinquedos feitos à mão deram espaço a dispositivos modernos. É inevitável sentir saudades de uma época em que a felicidade era encontrada na simplicidade.
Mesmo com todos os desafios que enfrentamos, acreditamos que lá, naquele tempo, estava a verdadeira felicidade. Afinal, foi naqueles dias que aprendemos o valor da fé, do trabalho e da família. E, de alguma forma, essas lições continuam a nos guiar, mesmo nos tempos modernos.
Agora, quando olhamos para trás, percebemos que o passado não é apenas um lugar distante, mas um alicerce sólido que nos sustenta e nos ensina a apreciar o presente com um coração cheio de gratidão.
“O que mais marcou sua infância no interior?”
1. Tomar banho no rio nos dias quentes.
2. As noites à luz de lamparina.
3. Caminhar quilômetros até a escola ou igreja.
4. Ouvir histórias contadas em capítulos.
5. Brincar com brinquedos feitos à mão.
Vote e conte sua experiência!

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